TÓPICOS SOBRE HISTÓRIA, LITERATURA, MEMÓRIA E TESTEMUNHO
Da obra de Márcio Seligmann-Silva
(parte #1)

LEMBRAR DE ESQUECER / NÃO (SE) ESQUECER DE LEMBRAR


Trata da questão da historiografia, tal como foi pensada no século XX, isto é, como possibilidade de se conhecer o passado “tal como ele de fato ocorreu” (p.60) — noção (credo central do historicismo e do positivismo) esta criticada por Walter Benjamin em Experiência e pobreza, de 1933, bem como por Nietzsche em Dos usos e desvantagens da história para a vida [“É totalmente impossível de se viver sem o esquecimento” (p.60), ele diz]. Para Nietzsche, é necessário: “que se saiba esquecer na hora certa, como também que se recorde na hora certa... [...] o ahistórico assim como o histórico são igualmente necessários para a saúde de cada indivíduo, de um povo e de uma cultura” (p.61).

Controlar o tempo certo de se lembrar ou de se esquecer pode levar a falsa idéia de que o homem pode controlar a memória. A historiografia, afirma Seligmann-Silva, se aproxima desse modelo. Para ele: “ela [a historiografia] — na sua versão moderna — se quer não apenas imparcial e fria, mas também capaz de arquivar todos os acontecimentos” (p.61-62). A memória, por sua vez, opera no double bind entre lembrança e esquecimento. Em relação à dicotomia História/memória, um registro não deve apagar o outro. Yosef Yerushalmi afirmou o seguinte: “A historiografia — ou seja, a história como narração, suas instituições e os seus procedimentos — não pode [...] substituir-se à memória coletiva nem criar uma tradição alternativa que possa ser partilhada. [...] No mundo que é o nosso não se trata mais de uma questão de decadência da memória coletiva e de declínio da consciência do passado, mas sim da violação brutal daquilo que a memória ainda pode conservar, da mentira deliberada pela deformação das fontes e dos arquivos, da invenção de passados recompostos e míticos a serviço de poderes tenebrosos” (p.62-63).

A História, afirma Seligmann-Silva, “assume diante da força que ars oblivionis [arte do esquecimento] adquire — sobretudo como uma reação aos fatos extremos do século passado — o caráter de tribunal” (p.62). Diante do tribunal, as testemunhas são citadas. Daí a força do testemunho nos últimos anos (ver Annette Wieviorka, Shoshana Felman), a qual nos leva, por conseguinte, a rever “todas as noções herdadas de séculos de teoria poética e dos gêneros” (p. 63). Para o autor: “A tarefa da memória deve ser compartilhada tanto em termos na memória individual e coletiva como também pelo registro (acadêmico) da historiografia” (p.63).

REFERÊNCIA:

SELIGMANN-SILVA, Márcio. Reflexões sobre a memória, a história e o esquecimento. In: SELIGMANN-SILVA, Márcio (Org.). História, memória, literatura: o testemunho na era das catástrofes. Campinas: São Paulo, 2006, p. 59-88.

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