Tópicos sobre clássicos da literatura ocidental:
A Odisséia, de Homero


Rafael Nunes Ferreira
Universidade Federal do Pampa - UNIPAMPA

Segundo Donaldo Schüler, “Os heróis homéricos não são joguetes nas mãos dos deuses. O destino não determina a ação dos homens em todos os seus detalhes. Deixa-lhes um espaço em que podem escolher livre e responsavelmente”.

Para ilustrar o pensamento de Schüler, trago o episódio em que os companheiros de Odisseu, mesmo após serem orientados por ele a não tocarem nas vacas de Hélio Hipérion, acabam matando-as para consumi-las, deixando claro que eles é que decidem atacar as vacas do deus Hélio, mesmo sabendo que poderiam sofrer as conseqüências por tal ato, como vemos nas palavras de Euríloco: “[...] Vamos, toquemos as melhores vacas de Hélio e façamos um sacrifício aos deuses imortais que habitam a vastidão do céu. [...] Se, porém, ele, agastado por causa das vacas de retos cornos, quiser destruir o barco com o consentimento dos demais deuses, eu prefiro perder o alento duma vez tragando a onda, a consumir-me lentamente nessa ilha”.

Como podemos apreender, mesmo conscientes de que poderiam ser punidos pela morte das vacas de Hélio, os companheiros de Odisseu preferem ainda matá-las e comê-las a ficarem passando fome na ilha deserta. Desta forma, eles puderam escolher livremente o que fazer naquela situação, onde concluímos, portanto, que os deuses não decidem sobre a ação dos homens; contudo, podem puni-los por essas ações.

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As qualidades diferenciadoras de Odisseu em relação aos demais guerreiros são notáveis em praticamente toda a obra de Homero. No episódio em que Odisseu e seus companheiros se encontram na caverna do Ciclope, por exemplo, quando este pergunta a Odisseu qual o seu nome, o herói responde dizendo que se chama “Ninguém”. Após, o Ciclope adormece e Odisseu, juntamente com seus companheiros, prepara um plano para feri-lo no olho. Após ter o olho ferido, o Ciclope solta um grito terrível e brada chamando os outros ciclopes que moram nas cavernas das cercanias. Eles então surgem e perguntaram ao Ciclope se algum mortal tangia seu rebanho embora ou lhe estivesse matando por dolo. Eis que o Ciclope responde: “Ninguém, amigos, está me matando por dolo ou pela força”. Em seguida, os ciclopes respondem: “Se ninguém te está maltratando e estás só, não há como fugires à moléstia enviada pelo grande Zeus [...]”. Neste episódio, Odisseu mostra toda sua engenhosidade e talento para enganar o Ciclope e fazer com que os outros ciclopes não o ajudem.

No próprio episódio relacionado às vacas de Hélio, é Odisseu quem orienta seus companheiros para que não toquem nas vacas, prevendo que seus companheiros, quando se encontrassem sem alento, teriam certamente esta idéia. Odisseu revela sua sabedoria, pois tinha a ciência de que se algo acontecesse com as vacas, o deus Hélio não deixaria passar impune. Porém, mesmo com seu conselho, Euríloco incita seus companheiros a avançar contra o rebanho.

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Em A Odisséia, podemos observar momentos ritualísticos exemplares em que o respeito às tradições e os valores culturais muito caros aos gregos são revelados. O ritual de libação aos deuses, por exemplo, sempre esteve presente à cultura grega. Desta forma, antes de Telêmaco partir da mansão de Nestor e seguir em direção à de Menelau, Atenas diz ao Ancião: “Ancião, falaste com todo o acerto, mas, eia, cortai as línguas das vítimas e temperai o vinho, para podermos libar a Posidão e aos outros imortais e depois cuidar do sono, que a hora dele chegou; já as trevas afugentam a luz e, em lugar de nos demorarmos longo tempo, sentados ao banquete dos deuses, o que fica bem é partimos”.

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Outra característica ligada à gênese da cultura grega é a hospitalidade, como vemos na cena em que Odisseu chega à mansão do rei Alcínoo e senta-se junto à lareira, perto do fogo. Nesse momento, o velho herói Equeneu diz: “Alcínoo, não é o procedimento mais belo e mais distinto ficar o estranho sentando no chão junto à lareira, sobre as cinzas, enquanto os outros retraem à espera de ordens tuas. Não. Vamos, faze o hóspede levantar e sentar o vinho, para libarmos a Zeus, que se compraz com os raios e ampara dos veneráveis suplicantes. E que a despenseira sirva ao hóspede um almoço, com o que houver lá dentro”.

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