A GUERRA COLONIAL SOB A ÓTICA LITERÁRIA DE LOBO ANTUNES





Rafael Nunes Ferreira
Universidade Federal do Pampa - UNIPAMPA



A leitura d’Os cus de Judas é algo visceral. O escritor português António Lobo Antunes, que vivera os últimos anos da Guerra Colonial em Angola, atuando como médico do Exército português, apresenta-nos um relato angustiante e revelador da barbárie cometida em África. A leitura difere em muito daquela dos livros de História, que tratam da guerra de maneira neutralizante e genérica, onde - não raro - números, estatísticas que reduzem a vida à quase nada, são supervalorizados em detrimento de fatores mais humanos, como o sofrimento de um povo em combate, as perdas e as conseqüências causadas pela guerra, enfim.

Os cus de Judas é uma obra que revela não só as mazelas de um povo colonizado que luta por independência, mas desmascara uma realidade manipulada por um regime fascista que via na violência a única forma de poder, um regime que agia desumanamente para atingir seus objetivos. Embora o próprio autor afirme que a experiência da guerra é algo inverossímil de se narrar, Os cus de Judas é um espelho do que é “o peso insuportável da solidão”, “de uma angústia indecifrável”, “de lançar-se em nome de ideais veementes e imbecis, em dois anos de angústia, de insegurança e de morte”.

Em Os cus de Judas, narra-se o sofrimento de mentes atormentas pela presença da morte a cercar, dia e noite, vidas comuns que se vêem, de repente, jogados em um labirinto aterrorizante que não parece ter termo:

As madrugadas, de resto, são o meu tormento, gordurosas, geladas, azedas, repletas de amargura e de rancor. Nada vive ainda e, todavia, uma ameaça indecifrável ganha corpo, aproxima-se, persegue-nos, incha-nos no peito, impede-nos de respirar livremente, as pregas do travesseiro petrificam-se, os móveis, agudos, hostilizam-nos... e no interior de nós, teimoso, insistente, dolorosamente lento, caminha este comboio que atravessa Angola, de Nova Lisboa ao Luso, a transbordar de homens fardados que cabeceiam contra as janelas à procura de um sono impossível. (ANTUNES, 2007, p.33)

A realidade sobre a Guerra Colonial, desde sempre mascarada pelo regime salazarista sob a maquilagem de ideais anacrônicos de um falso imperialismo, é veementemente contestada por Lobo Antunes que vê no Estado Novo “uma constante aberração”. Uma guerra sem sentido, de perdas e de traumas que jamais serão reavidos, pois, como afirma Lobo Antunes, jamais se volta o mesmo homem de uma guerra. Os Cus de Judas é o relato de quem viveu a guerra para depois contá-la: os fatos narrados retratam a frieza máxima com que o ser humano pode tratar o semelhante. Mortos decapitados, corpos despedaçados por minas, homens cavando a própria sepultura: situações-limites que levam o indivíduo ao abismo de uma existência desumana.

Assim, Lobo Antunes atinge-nos profunda e psicologicamente com um texto direto e sem meias-palavras, numa amálgama de lembranças de uma infância onde o fardo imperialista se faz presente, como o prenúncio de um vulcão em erupção, misturado a lembranças estúpidas de uma guerra estúpida e de um presente melancólico decorrente de um estado mental corrompido pelas barbáries em África. De fato, Lobo Antunes procura atingir na palavra a precisão, pois em Os cus de Judas cada termo, cada frase e cada parágrafo possuem uma conexão exata a causar no leitor a sensação de se estar ouvindo a história no exato momento em que ela é vivida.
REFERÊNCIAS:
ANTUNES, António Lobo. Os cus de Judas. Alfaguara Brasil, 2007.

1 Response to " "

  1. Paula: pesponteando says:
    16 de abril de 2009 às 16:26

    Mto bom esse espaço....mta literatura....amei....

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