O MAPA
por Mario Quintana


Olho o mapa da cidade
Como quem examinasse
A anatomia de um corpo...

(É nem que fosse o meu corpo!)

Sinto uma dor infinita
Das ruas de Porto Alegre
Onde jamais passarei...

Há tanta esquina esquisita,
Tanta nuança de paredes,
Há tanta moça bonita
Nas ruas que não andei
(E há uma rua encantada
Que nem em sonhos sonhei...)

Quando eu for, um dia desses,
Poeira ou folha levada
No vento da madrugada,
Serei um pouco do nada
Invisível, delicioso

Que faz com que o teu ar
Pareça mais um olhar,
Suave mistério amoroso,
Cidade de meu andar
(Deste já tão longo andar!)

E talvez de meu repouso...


***

“Olho o mapa da cidade”, assim inicia o poema “O mapa” de Mario Quintana, fazendo menção ao ambiente urbano que o autor irá percorrer. Mais adiante, a revelação: “Sinto uma dor infinita/das ruas de Porto Alegre/ onde jamais passarei...” Eis o espaço representado: Porto Alegre, cidade na qual o poeta alegretense vivera quase toda a sua vida.

Mario Quintana não nomeie locais específicos de Porto Alegre, mas proporciona a visão de uma cidade que está em meio a um processo de transformação. Vale lembrar que Mario Quintana vivenciou de perto o crescimento de Porto Alegre, sua expansão demográfica, arquitetônica, etc., como ele mesmo diagnostica em uma de suas frases célebres: “Antes Porto Alegre era uma grande cidade pequena; agora, é uma pequena cidade grande”.

Percebemos essa cidade grande nos versos “Há tanta esquina esquisita/ tanta nuança nas paredes/ há tanta moça bonita”, e esse espaço urbano tão abundante de coisas faz com que o poeta lamente a dor de não poder passar pelas muitas ruas da cidade, pois, diante de seu mapa, constata o tamanho de seu crescimento.

A relação entre eu-lírico e espaço é de uma identificação afetiva, particular, atraente: “suave mistério amoroso”. O eu-lírico do poema observa a cidade que, ao crescer, torna-se um espaço que ele não pode/consegue abranger em sua totalidade. Mas ele o examina como “a anatomia de um corpo...”, mas que corpo seria esse? Um corpo que, quiçá, o seduz diante de seus suaves mistérios? Mario Quintana, propositadamente, deixa no ar seus predicados através do uso das reticências. E, assim, o poeta até se (nos) permite fantasiar alguma rua “encantada”, tão bela “que nem em sonhos” foi capaz de sonhá-la.

2 Response to " "

  1. Paula: pesponteando says:
    4 de julho de 2009 às 13:51

    Rafael, Acabei de passar em Porto Alegre no profundo sentimento de Quintana...abraços

  2. Era Ana Paula, agora é Natasha. E Carolina é uma menina bem difícil de esquecer. says:
    6 de julho de 2009 às 12:15

    Que lindo tudo que tu escreve aqui. Me traz paz...
    Ah, tem algo pra ti lá no blog. Beijão!
    Saudade daquelas tardes fagueiras na EBTC hehehehe!

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