A CULTURA INGLESA CENTRADA NO HOMEM¹


A cultura inglesa é a soma da cultura dos povos que invadiram as ilhas britânicas desde os primórdios, quando os celtas chegaram às ilhas no I milênio a.C., até a invasão dos normandos em 1066, liderada por Guilherme, o Conquistador. Dentre os variados povos que habitaram as ilhas, os romanos foram um dos que tiveram grande influência na formação da cultura inglesa, assim como os anglo-saxões. Um dos aspectos incorporados à cultura inglesa nesse período, e que perdura até os nossos dias, aponta para uma cultura centrada no homem, tendo como modelo o homem branco, heterossexual, bem como retratam, por exemplo, as imagens dos cavalheiros arturianos.
De fato, sabemos que, quando os romanos chegaram às ilhas britânicas, lá encontraram grupos celtas que as habitavam desde a Idade do Bronze. Os celtas eram um povo politeísta. Segundo a Wikipédia, “a religião celta venerava múltiplas divindades associadas a atividades, fenômenos da natureza e coisas. Algumas divindades eram variantes de outras, refletindo a estrutura tribal e clânica dos povos celtas”. Entre as divindades, podemos citar as deusas da natureza Tailtiu e Macha; Epona, deusa dos cavalos, e os deuses Goibiniu e Tan Hill. Percebemos, de fato, através desses deuses, a veneração tanto da figura masculina quanto feminina dentro da cultura celta.
No Entanto, com a chegada dos romanos em 55 a.C, quando Júlio César e seu exército romano invadem e dominam os bretões (celtas que habitavam a Britânia), a cultura celta sofre um processo de aculturação devido ao contato com o povo romano. Como sabemos, a sociedade romana, desde a sua formação, fora sempre governada por homens. O documentário Roma: o grande império revela que, para o povo romano, “o adultério era legal para homens, desde que a mulher não fosse casada”, e o lugar da “matrona romana [era] sólida em seu lar romano.” Isso tudo nos revela a posição da mulher na sociedade romana: posição de submissão ao homem. Este o único capaz de governar. O papel da mulher na sociedade romana, portanto, não difere muito do papel da mulher na cultura grega, o de mera reprodutora.
Assim, a imagem do homem como ser forte, astuto e guerreio (vale lembrar aqui a figura de Júlio César, “homem alto e musculoso, que apanhara dos pais para assim se tornar um homem de verdade”, conforme o vemos no documentário Roma: o grande império), servirá de base para a construção de uma cultura inglesa centrada no homem, e que ainda será acrescida pela forte influência da cultura dos povos anglo-saxões, que invadem as ilhas e semeiam o culto pagão. Na mitologia anglo-saxônia, impera a figura do reis dos deuses Odin, enquanto a sua mulher, a deusa do céu Frigg, era apenas venerada como protetora do amor conjugal e das amas de casa.
Datado, presumivelmente, do final do século X, a primeira obra escrita em Old English, o poema épico de origem anglo-saxônia Beowulf, registrado provavelmente por um monge cristão (copista) e que incluiu nele elementos cristãos que se irão misturar a elementos pagãos, é um exemplo claro dessa cultura centrada no homem que irá influenciar toda a cultura inglesa a partir da Idade Média. Esse poema épico, trazido pelos povos invasores, narra a luta entre o herói Beowulf e o monstro Grendel, ou “between good and evil, between humanity and the destructive forces”.
Em Beowulf, o herói (homem) luta com bravura e revela destreza, “em uma hierarquia predominantemente masculina”, de reis, príncipes e guerreiros. Não existem menções, nos textos que buscamos sobre Beowulf, acerca de personagens femininas, devido, provavelmente, à posição meramente figurativa da mulher na sociedade da época. Podemos pensar aqui que o fato de ser a figura do homem – bravo, e guerreiro –, a única capaz de salvar a humanidade das “forças destrutivas”, revela a concepção de mundo adotada na Idade Média, à qual a mulher é colocada em um nível inferior.
Outra obra importante dentro da literatura medieval, Le morte d’Arthur é uma compilação dos romances cavalheirescos franceses composta pelo escritor inglês Thomas Mallory no século XV. A obra de Mallory retrata o desempenho espetacular do rei Artur e dos cavalheiros da Távola Redonda, revelando um ser perfeito, dotado de valentia, lealdade, astúcia: o cavalheiro. Mais uma vez surge a figura de um homem como arquétipo para a sociedade: Artur, o lendário rei bretão. Assim, a obra tem como núcleo as figuras masculinas do rei e seus cavalheiros, mostrando como a sociedade da época valorizava essas figuras, que pareciam surgir quase como uma necessidade de se criar um modelo (masculino) a ser seguido.
Além do mais, se por um lado o homem aparece despido de impurezas e repleto de virtudes-modelo; a mulher, por outro, aparece carregada de vícios, como no caso de uma das narrativas arturianas, na qual surge a figura de Guinevere, a mulher infiel de Artur. Essa narrativa aparece na obra intitulada Historia Regum Britanniae (1139), de Godofredo de Monmouth. E se relembrarmos os tempos romanos, teremos a figura de Cleópatra, que mata seu irmão Ptolomeu e ainda mantém relacionamentos com Júlio César e Marco Antônio, causando grande repercussão dentro da sociedade romana. De fato, são duas figuras femininas que, conforme afirma o professor de literatura inglesa Gélson Peres, revelam uma concepção de mulher como um “homem imperfeito”.
Outra obra importante para a “formação da literatura inglesa de valor universal” (Bandeira, p.156) é The Conterbury Tales, escrita pelo poeta inglês Geoffrey Chaucer. A obra narra a peregrinação de um grupo de viajantes que se desloca até a catedral de Conterbury. Nesse grupo, “existe todo o tipo de personagens de diferentes camadas sociais” (Enciclopédia Encarta). A figura do homem na obra é primordial, pois é o anfitrião (homem) que irá propor que se narre algumas histórias para passar o tempo. Além do mais, as narrativas são contadas em uma ordem em que prepondera a condição social do narrador. Do mais nobre ao mais plebeu. As narrativas são contadas em sua maioria por homens. Ou seja, quem naquela época obtinha dentro da hierarquia medieval posições superiores senão homens?
Na esteira do drama inglês, por outro lado, podemos apontar dois aspectos que revelam a posição central do homem e a periférica da mulher em relação à sociedade: primeiramente, é importante salientarmos que somente homens podiam atuar e, mesmo os papéis femininos deveriam ser representados por homens. As mulheres jamais poderiam atuar, pois as peças eram tão-somente encenadas por homens. No plano temático, peças de autores como Christopher Marlowe e William Shakeaspeare, dois dos maiores expoentes do período elisabetano, tematizam sobre a vida de personalidades masculinas. Obras com Tamerlão - o grande, Eduardo II, Dr. Fausto, A famosa tragédia do rico judeu de malta, de Marlowe ou Hamlet, Otelo, Rei Lear, Henrique VI, Ricardo III, de Shakespeare, só para citar algumas, mostram como a dramaturgia desse período buscava retratar apenas histórias de homens.
O papel da mulher, de fato, é o de mero coadjuvante. Na obra Hamlet, apenas para ilustrar, dentre as mais de vinte personagens masculinas nomeadas, aparecem apenas duas personagens femininas: Gertrudes, rainha da Dinamarca e mãe de Hamlet; e Ofélia, filha de Polônio, o que caracteriza o papel à parte da mulher dentro da cultura inglesa. Assim, passando rapidamente por algumas obras consagradas dentro da literatura inglesa, percebermos a predominante representação do homem dentro da cultura inglesa, isto é, uma cultura centrado no masculino, onde a mulher vive apenas em uma espécie de segundo plano narrativo.

¹ Rafael Nunes Ferreira


REFERÊNCIAS:

BANDEIRA, Manuel. Noções de história das literaturas. São Paulo: Companhia Editora Nacional.
CARPEAUX, Otto Maria. História da Literatura Ocidental. Vol. 1 e 2. Rio de Janeiro: Alhambra, 1985.
Enciclopédia Microsoft Encarta. 1993-2001 Microsoft Corporation.
HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
Os Bárbaros: os saxões. DVD produzido pela The History Channel. Publicação e distribuição: Log On Editora Multimídia.
Roma: o grande império. DVD produzido pela The History Channel. Publicação e distribuição: Log On Editora Multimídia.
SHAKESPEARE, William. Hamlet. Trad. FERNANDES, Millôr. Porto Alegre: L&PM Pocket, 20006.
Textos selecionados pelo Prof. Dr. Gélson Peres para a disciplina de Língua Inglesa I.
http://www.wikipedia.org/

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