O FANTÁSTICO ATRAVÉS DE NOITE DE NATAL DE GÓGOL








Rafael Nunes Ferreira
Universidade Federal do Pampa - UNIPAMPA

“Foi-se o último dia anterior ao Natal. Veio a clara noite de inverno” (pág. 115). De tal modo inicia a narrativa de Gógol, Noite de Natal. Nela, o autor-narrador começa descrevendo a noite precedente ao Natal, na qual brilham estrelas e a Lua ilumina os homens de boa vontade “e todo o mundo para que todos se sentissem alegres e cantassem koliadas, glorificando o Cristo” (pág. 115). Entretanto, de repente, a noite fria e silenciosa é atravessada por dois episódios inusitados: eis que uma bruxa montada em uma vassoura surge em meio à fumaça e, em seguida, o próprio diabo. Trata-se da presença do fantástico em um mundo que é completamente o nosso.

Ora, o autor-narrador descreve dois acontecimentos que, de fato, não podem ser explicados por nenhuma lei que rege este mundo; no entanto, tais acontecimentos são permeados pelo real, uma vez que ali percebemos – também – o mundo o qual conhecemos: uma noite fria e silenciosa, a presença da tradição folclórica russa, um sujeito típico usando um chapéu com tarja de pele de cordeiro, etc. De fato, a maneira como Gógol apresenta os dois eventos não causa nenhuma hesitação no leitor, uma vez que são apresentados como pertencentes aos acontecimentos de ordem natural. E, se tais elementos sobrenaturais são dados sem questionamento, eis aqui a presença também do aspecto maravilhoso na narrativa.

O escritor russo apresenta-nos os surgimentos da bruxa e do diabo, introduzindo-os dentro de uma ambientação possível, ligados a fatos cotidianos da vida real. Além disso, percebe-se o apelo de Gógol à comicidade para estreitar, dentro da narrativa, ainda mais as barreiras entre real e irreal, ocasionando maior convencimento dos fatos ao leitor, como vemos a seguir:

“... na certa ele notaria, porque no mundo não há uma bruxa capaz de escapar ao assessor Sorótchintsi. Ele sabe com precisão quantos leitões a porca de cada mulher pare, quantos cortes de tecido há no fundo de cada baú e que parte do vestuário e dos seus bens as boas almas penhoram nas tabernas, nos dias de domingo”. (GÓGOL, pág. 116)

Ou então ao trocar a figura do diabo pela a de um alemão – que, no caso, refere-se a todo estrangeiro, seja ele suíço, sueco, francês –, que tinha “a cara bem fina, remexendo-se sem parar e cheirando tudo que ia encontrando pela frente, terminava num focinho redondo como os dos nossos porcos...”

Enfim, a cena cômica, o episódio burlesco da vida real, passada em uma ambientação de fatos cotidianos, onde estão presentes tradições folclóricas e seres reais, aponta para a possível neutralização do irreal, isto é, para a possível naturalidade do surpreendente, que, no caso, surpreende pela ausência de surpresa, provocando, desta forma, um efeito particular sobre quem lê. Portanto, ao mesmo tempo em que o acontecimento inexplicável surge, criando uma ruptura, as estratégias empreendidas no texto de Gógol se apresentam como forma de atenuá-lo.

REFERÊNCIAS

GÓGOL, Nicolai Vassilievitch. O Capote e Outras Novelas de Gógol. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1990.
TODOROV, Tzvetan. Introdução à Literatura Fantástica. São Paulo: Perspectiva, 2003.

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