15 anos sem
o maior poeta de Bagé
Por Jucelaine
“Era o ideólogo e era o líder. Um artista não
morre “, foram as palavras de Glauco Rodrigues Há exatamente
15 anos quando Bagé perdeu seu filho
ilustre. Ele, Ernesto Calo Wayne, o
mestre das letras; professor poeta e jornalista; era filho do escritor Pedro Rubens de Freitas Wayne e Leopoldina
Calo Wayne. Nasceu em Bagé, a 14 de abril 1929 e faleceu na mesma cidade em 17 de junho de 1997. Casado com Vitória
Gamboa Wayne teve 7 filhos: Pedro, Valmir, Ramon, Cláudio, Dolores, James e
Naira.
Um homem apaixonado pela literatura desde a infância
por influência do pai que guardou seu
primeiro rabisco em livro quando contava tão somente 11 meses e 28 dias;
rabisco este que era considerado por Ernesto como o melhor texto que escreveu
em toda sua vida. O Poeta, professor, e
jornalista; homem do povo que sabia tão bem inventar palavras novas, que davam
uma simbologia perfeita aos sonetos que escreveu.
Em seu soneto “Ramos de Ramon” Ernesto
descreve com singular maestria a saga da família Ramon da Espanha ao
Brasil. De charqueadores a escritores, a família Ramon soube tão bem dissecar a
carne do gado quanto a alma humana. Basta analisar este pequeno trecho do
soneto para perceber o lirismo presente nos versos :
Findam os
Ramóns rurais,
Começam
Ramóns urbanos
Termina o
tempo do charque,
Charque
de reses e tropas.
Não mais
ressecam a carne
Do gado,
Ramóns dissecam
As almas
da carne humana,
Que o
charque é de almas agora,
Carne e
alma que conservam
Na branca
cal do papel,
No sal
fino que recobre
A lisa pele da página.
Especialista em Língua
Portuguesa, Ernesto atuou por vários
anos na Urcamp ( Universidade da região da campanha) e na UFSM (
Universidade federal de Santa Maria). Em Bagé também lecionou no colégio
Auxiliadora. Lembrado com carinho pelos
alunos que afirmam em um blog na internet que ele nunca reprovou ninguém, e que
era um incentivador da leitura.
Ernesto
Wayne pode ser considerado um jovem
prodígio visto que com apenas 16 anos fundou
em sua própria casa no ano de 1945 o “Grupo de Bagé”. Neste dia, o pai Pedro Wayne, estava em São Paulo por ocasião
do 1º Congresso Brasileiro de Escritores. Ernesto assim descreveu a formação do Grupo de jovens cuja idade não
passava de vinte anos na época: “O Grupo
de Bagé formado por artistas plásticos e poetas Danúbio Gonçalves, Glauco
Rodrigues, Glênio Bianchetti, Clóvis
Chagas, João Honorino e Júlio Meireles, todos pintores. A turma do Teatro e do conto: Ernesto Costa, Ramón
Wayne e Vicente Braile; Jaci Maraschin,
músico tocava piano, hoje é pastor protestante; Wilson Santos, pianista, cronista e poeta; eu (Ernesto
Wayne) que lidava com versos naquela
época e que tinha um volume, “obra prima intitulada “os Carnavais Póstumos”onde se podia encontrar coisas
assim: “Céus abobadados reboam infinitos/
aviões abobadados já soam como risos/ e grávidas aves ávidas de gritos/ são vidas vazias graves como
avisos/. Centro Cultural Machado de Assis -1959)
Ernesto Wayne amava
o jornalismo, e o fazia com imensa dedicação. Era no jornal que o autor deixava
aflorar com mais intensidade o lado
humorístico. Em um artigo autobiográfico publicado no Correio do Sul,
o autor diz: “Não nasci em berço de ouro- eu não! Nasci em berço bem mais
rico. Nasci em berço de papel impresso em tomos enfileirados nos armários do
humilde escritório de Pedro Wayne”.
Segundo a poetisa Norma Vasconcellos ele era
“Delator das hipocrisias do cotidiano; mágico das
metáforas, humorista irreverente, mas ao mesmo tempo um “Terno lírico”. Gilmar de Quadros o considerava “Dono de uma
bagagem de conhecimentos invejável e até mesmo um merecedor do Oscar.
Obra:
Ernesto
Wayne,
além de ser dono de um imenso acervo poético, escreveu diversos artigos
científicos publicados em revistas e jornais. O autor também realizou ensaios
sobre a obra de autores gaúchos, porém publicou em vida apenas cinco livros: “Ossos
do Vento” “ Extrato de contas” Baile na Ponte em
Noite de Chuva”, e “Anjo
Calavera” ( queimado pelo autor na noite do lançamento). “Pedro Wayne” ( ensaio sobre a vida do escritor PW
publicado em Letras rio-grandenses.) . Dos artigos científicos, destacam-se
entre eles “Momentos do Modernismo em Bagé “(1972) . Seus livros
impressos, além dos poucos exemplares que há na Biblioteca Pública de Bagé e
biblioteca da Urcamp ( Universidade da região da campanha), só é possível
encontrar em sebos, visto que não foram mais editados. Do livro “ Ossos do Vento” destaco uma estrofe deste
soneto que retrata a profundidade de análise de sua própria vida ao observar um
retrato seu, pintado pelo artista plástico Glauco Rodrigues em 1949).
Glauco
Rodrigues fez este retrato
Me
vendo mais por dentro que por fora:
O
quadro cada vez mais fica exato,
Quem
não era antes, vou ficando agora
Rugas
e lágrimas, eis que constato
Nesse
rosto esfolado de quem chora,
Na
cor acesa em brasa em que desato
Fogos
do inferno pela face a fora.
O
esvair-se em estrelas foi-se pelos
Mil caminhos grisalhos dos cabelos,
Restam
rastros de prata na moldura,
Mas
, o que mais estranho na pintura
É
que me ponha a contemplá-la e sinta
Que
nos meus olhos nunca seca a tinta.
A vida: Ernesto
era homem simples que soube conviver com
a dor e as carências materiais. Durante toda sua vida trocou de residência por diversas
vezes por problemas financeiros, fato este que lhe impulsionou a escrever o
poema: “As muitas moradias”.
.....E,
se exagero um pouco e digo
Que
a soma dessas casas todas
Totalizaria
uma vila e
Se
continuar ocupando mais
Casas,
pronto se teria,
De
certo, cidade cubista
Constituída,
inteiramente,
Da
sucessão das moradias
Em
que vivi meus dias;
Sua irreverência e humor foram a
magia que cativou alunos, professores e pessoas das mais distintas camadas
sociais. Ao analisar sua atuação jornalística percebemos, através de seus
escritos, que sua dedicação ao ensino o acompanhava em todos os momentos.
O poeta deixou muita saudade entre
companheiros de magistério e principalmente entre poetas do Cultura sul. Suas
amigas mais próximas, Norma Vasconcellos e Elvira Nascimento relembram com pesar
a ausência daquele que era o primeiro a comparecer em todas às reuniões, com um
maço de papel embaixo do braço. Papeis estes, repletos de belíssimos sonetos e poesias que até hoje
são guardados com carinho pelas amigas que anseiam vê-los um dia transformados em livro póstumo.
Nesta foto podemos ver a grande
quantidade de polígrafos datilografados com sonetos e poemas de EW , que
encontram-se em posse de uma amiga, também escritora e membro do Cultura sul*.
Desta série de sonetos, alguns nos
chamam a atenção pelo título que ostentam:” Poeta
Na Cadeia” ; conta sua própria história na cadeia por 3 meses, por ocasião
do golpe militar em 64; e “ O último Trem de Bagé”, que fala sobre a
última viagem do trem que partiu de Bagé.
Quando realizei meu Trabalho de
Conclusão de Curso na Unipampa sobre a Constituição
de Acervo Literário de Ernesto Wayne,
fiz um apelo veemente às professoras que participaram da minha banca para que o
Curso de Letras da Universidade se encarregasse de tornar o autor conhecido no
meio acadêmico e que sua obra fosse divulgada e reconhecida como patrimônio histórico de Bagé; isto acontecendo,
será a concretização de um sonho que
permeia a mente dos companheiros e admiradores de Ernesto
Wayne.
Afinal, ninguém mais do que ele soube descrever tão bem as ruas , praças e
gente da nossa Terra. Sua obra está permeada da vida na sociedade bajeense em
sua época. O soneto “Bares de Bagé”, revive sua trajetória como homem do povo
acostumado à boemia. O soneto descreve os mais variados tipo de bares da
cidade, todos do seu conhecimento. Em todas as décadas, o mais frequentados, os
mais simples e os mais luxuosos. O poeta vai descrevendo o que acontece em cada
bar, citando nomes de personagens literários mesclados com figuras do seu
cotidiano, vejamos alguns trechos:
Era
uma vez os bares de Bagé,
Em
que tanto bebi, para fazer de conta
Não
ser facada nem ferida a vida,
Se
vista for de dentro da alma tonta
No
corpo bambo com cabeça zonza.
Meu
espírito aos tombos e trancos, tropeços
Espalhados
ao longo dos meus passos
Junto
a meus pares pelos bares de Bagé.....
----
Era
uma vez os bares de Bagé
De
que se seguirá prestando conta
Cabaret
do alfaia
Por
entre garçons
De
gravata e borboleta
E
compridos aventais.
O
tempo passado
De
frack e polaina
Tomando
pileque
Com
uma cocote
Que
é tempo de orgia,
Ele perambulou por todos ou quase todos os bares
e cafés da cidade, conviveu com gente como ele; poetas, professores, jornalistas artistas plásticos; enfim, trabalhadores de
diversos ofícios. Ele se foi, mas como disse a poetisa Elvira Nascimento, ficou seu jeito
teimosamente bajeense de não sair das casas e fazer de Bagé a sua Macondo e lugar de
imaginação . (Correio do Sul- 21 junho 1997).
Como
admiradora deste que é considerado o “poeta
maior de Bagé”, foi que decidi não deixar passar em branco esta data de seu
falecimento, por isto dediquei um pouco do meu tempo para relembrar a
contribuição de EW para a literatura bajeense e nacional.
Concluindo,
transcrevo abaixo um de seus sonetos para que aqueles que não leram sua obra possam
conferir a beleza e a tessitura de suas metáforas; e para os bajeenses que o
conheceram e conhecem sua obra , deixo as palavras do professor Alcyr Britto,
genro do poeta ,na ocasião do seu falecimento em 97: “ Wayne será para Bagé, o prólogo, não o epílogo”, mas para isto é
preciso concordar com Elvira Nascimento,
que disse que devemos falar sempre de Ernesto Wayne até que se partam as pedras
do esquecimento e seu delírio poético
jorre sobre a Bagé que ele tanto amou.
“Soneto Diante Da Cidade”.
Do alto do cerro, o
precipício ao lado,
Vista de cima, à noite, se
desata
Desta cidade a imagem mais
exata:
Muito a cidade temos
contemplado.
Um lenço branco como que a
retrata,
Lenço em que a luz após
haver chorado,
Sobre a treva atirasse,
marejado
Da luz de sua pálpebra de
prata.
Há sereno de cinzas e
saudade
( O orvalho é como o
pranto das estrelas)
E desliza, dos olhos, a
cidade.
Como se nossas lágrimas rolassem
Encosta abaixo e, sem
poder contê-las,
Luzes azuis nas ruas se
tornassem
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